quarta-feira, 6 de maio de 2009

O BARDO DO SAMBA

Nelson Cavaquinho (pra ainda ficar em Mangueira) tem em sua obra a síntese perfeita de simplicidade e genialidade. Se Cartola está pra Drummond, Nelson é mais do time de Manuel Bandeira, nenhum é melhor que o outro, são diferentes mas humildemente Nelson dizia ser Carola melhor sambista. Que isso Nelson, você foi igualmente grande! Tenho uma tese de que ele disse isso como uma "licença poética" ingenuamente maliciosa, porque para um ouvido menos atento parece mesmo o que Nelson afirma ser verdade. Nelson tem em sua biografia a marca da tragédia, quando criança presenciou o massacre que a peste causou nas camadas mais pobres da cidade. Adquiriu um enorme medo da morte a ponto de uma noite ao ter sonhado que iria morrer às doze badaladas voltou o ponteiro do relógio duas horas só pra enganar a visita indesejável.
Misticismos permeiam toda sua obra, JUÍZO FINAL é o exemplo mais claro disso. Foi policial por um breve tempo até uma noitada em que ele dormiu no Buraco Quente e seu cavalo voltou sozinho pro quartel, depois parece que Nelson ficou por lá mesmo, no meio dos marginais e prostitutas sua platéia preferida. Fez muitas músicas, algumas eram vendidas outras tantas esquecidas em porres homéricos, vendeu sua única parceria com o Cartola (talvez por isso mesmo única, Cartola ficou uma arara) não teve a sorte de uma Zica em sua vida, sofreu com as traições de suas companheiras e se tornou sempre só em sua LUZ NEGRA, totalmente desiludido mas ao mesmo tempo cômico e caridoso. Sua obra traz uma grande contradição ao descrever delicadamente o rude universo masculino de um favelado. Leon Hirszman o retratou com a forma poética merecida num curta-metragem em lindo preto e branco, confere uma parte lá NELSON DOC. Aproveita que tá no Youtube e assista também ao ensaio (MPB ESPECIAL) produzido por Fernando Faro, série que até hoje traça com contornos bem nítidos o panorama de nossa música pois não apresenta só musicas mas os depoimentos dos artistas. Neste programa Nelson está acompanhado de seu principal parceiro Guilherme de Britto que também era amigo de Noel Rosa, Zé com Fome e outros bambas. Muitos amigos em seu caminho o ajudaram, em especial Beth Carvalho, Sérgio Cabral, Henricão, Roberto Silva, Cyro Monteiro, Sérgio Porto, Cristina Buarque e Carlinhos Vergueiro.
Nelson desenvolveu uma mitologia própria pela sua condição de artista marginal, informações desencontradas, estrórias inventadas, obras-primas ainda desconhecidas, grandes amores que nunca existiram criaram a enorme dimensão folclórica de seu gênio, como não poderia ser de outra maneira. Foi como se Carlitos de repente caísse num pagode em Mangueira e percebesse que alí a poesia se confunde com a poeira, que a vida é muito mais do que só isso que se vê ao vivo e a cores (mesmo quando preto e branco fica). A arte de sobreviver que só quem sentiu na pele pode de fato dizer como é. Vou deixar aqui o disco com o Conjunto Odeon, maravilhoso o choro do cavaquinho de Nelson. Ficamos com sua obra e sua fama adorada por Paulo Cesar Pinheiro, Paulinho da Viola, Chico Buarque e tantos outros que reconhecem seu talento e importância. Salve todos os sambistas do mundo e do além, todos carregam dentro de si alguma coisa de Nelson Cavaquinho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário